8 de agosto de 2011

Crítica de filme: CRIAÇÃO

Criação
Creation (2010)

Direção: Jon Amiel
Elenco: Paul Bettany (Charles Darwin), Jennifer Connelly (Emma Darwin), Toby Jones (Thomas Huxley), Jeremy Northam (Reverend Innes), Martha West (Annie Darwin)

Nota 5


O relato de como foram feitas algumas das maiores descobertas da humanidade geralmente rendem narrativas muito interessantes, já que normalmente nos contam como a superação, perseverança e inteligência de alguns personagens conseguiram fazer com vencessem confrontos com poderosas autoridades e instituições já estabelecidas.

A história de como o naturalista Charles Darwin concebeu e apresentou a sua Teoria da Seleção Natural não é diferente. E é exatamente isto que mais decepciona em Criação, do inglês Jon Amiel: o que poderia gerar um filme instigante e filosófico, rende apenas um drama raso e insosso.

Vamos à sinopse: depois de anos coletando e analisando dados, Darwin (Paul Bettany), um homem da ciência, mas de formação religiosa, chega à surpreendente conclusão de que todos os seres vivos existentes evoluíram de um único e primitivo ancestral, o que contraria o dogma religioso que Deus teria criado em apenas um dia todas as criaturas tais como hoje nos aparecem. Ciente das implicações que a revelação desta descoberta provocaria, o naturalista hesita em publicá-la durante anos. Isto não impede que sua vida familiar entre em colapso, já que, após a morte de sua filha mais velha, Darwin passa a encontrar conforto apenas na solidão do seu escritório, acabando por se afastar cada vez mais de sua família – particularmente de sua esposa Emma (Jennifer Connely), que se preocupa com o distanciamento cada vez maior entre seu marido e a fé.

Visualmente impecável, o filme impressiona desde o seu início, quando, durante a apresentação, galáxias transformam-se em cardumes, pássaros, borboletas e espermatozóides, numa suave transição que nos lembra sutilmente que toda a natureza está interligada. Da mesma forma, bem elaboradas cenas como a das larvas sendo devoradas por um pássaro que, momentos depois, acidentalmente deixa seu filhote cair do ninho (para então ser devorado por outras larvas), assustam pela sua crueza, mas demonstram de forma eficiente a natureza cíclica da vida. Também os figurinos e cenários reconstituem bem o estilo vitoriano, o que demonstra cuidado em retratar o mundo em que viveu Charles Darwin.

Infelizmente, os acertos terminam aí.

O elenco, apesar de contar com bons nomes, está pouco inspirado. Jennifer Connely, como a esposa devota, bem poderia ser substituída por uma atriz menos talentosa, já que seu papel pouco a exige (talvez tenha sido escolhida por ser a esposa de de Paul Bettany na vida real). O sempre talentoso Toby Jones tem pouco a fazer em cena – seu personagem, Thomas Huxley, o “buldogue de Darwin”, é totalmente desperdiçado no filme. A exceção fica para Bettany, que vive um Darwin amargurado e inseguro, cuja evidente fragilidade destoa da força de suas idéias.

Mas é no roteiro que Criação tem a sua principal deficiência.

Talvez por considerarem que a história verdadeira da elaboração da Teoria da Seleção natural fosse muito enfadonha (o que é estranho, uma vez que tenham decidido contá-la em um filme), Jon Amiel, e mais dois co-roteiristas, John Collee e Randal Keynes (por que tantos?) decidiram “complementar” o drama pessoal de Darwin com elementos inexistentes e bizarros, que acabam quase por arruinar todo o filme.

Por que, por exemplo, criar uma personalidade esquizofrênica para o naturalista, fazendo-o conversar e discutir com sua filha morta há anos? E porque evidenciar tanto o distanciamento do mesmo com a família, já que não há nada que sugira que tal sentimento tenha um dia existido? Porque, ao invés de concentrar-se no antagonismo entre ciência e religião (que prometia ser a base do filme), o roteiro perde um tempo precioso com a culpa que Darwin atribuía a si próprio pela perda da filha?

E, já que falamos em tempo perdido, o filme ainda apela também ao contar de forma totalmente desastrosa a história de um orangotango preso em cativeiro. Não que mesma não seja interessante (ela é), mas é relatada de forma preguiçosa e desconexa, e acaba por se tornar desnecessária e cansativa. E o que dizer do, no mínimo estranho, prazer de uma menina que quer que o pai conte uma história que ela considera triste... porque “a faz chorar”!?

Talvez o problema resida na escolha do período abordado. A história da elaboração da teoria darwinista tem pontos extremamente interessantes, todos fora do intervalo de tempo no qual se passe praticamente todo o filme. A viagem de Darwin no Beagle (onde ocorreram seus contatos com os nativos da Terra do Fogo, brevemente narrados no início do longa, e com as maravilhas que encontrou em Galápagos) ocorreu anos antes, e a polêmica que se seguiu ao lançamento do livro, marcada pelos grandes embates entre Huxley e os religiosos, ocorre depois. Porém, os roteiristas decidiram basear-se no drama familiar e optaram por retratar justamente a época talvez menos interessante da vida do naturalista.

Definitivamente, a história da criação da Teoria da Seleção Natural pode render um filme melhor. Pena que, neste caso, os produtores não acreditaram nisto.

Crítica escrita em 05/08/2011