12 de novembro de 2009

O enigma da girafa - Parte 2 de 3

Na primeira parte deste artigo, fizemos uma análise das bases do evolucionismo. Passamos a limpo os conceitos básicos propostos por Darwin, aproveitando para explicar porque a seleção natural ainda é considerada uma teoria, e não uma lei. Também observamos que certas idéias equivocadas são propagadas como corretas (por desconhecimento ou por malícia), causando um desserviço para a ciência.

Nesta 2ª. parte do artigo, iniciaremos a análise das principais idéias erradas sobre seleção natural...

1. O enigma da girafa
Não foi à toa que esta matéria foi batizada com o este título! A verdade é que a forma com que o pescoço da girafa atingiu seu atual tamanho já foi motivo de muita polêmica e, mesmo hoje, quando a comunidade científica há muito já chegou a um consenso sobre este assunto, muita gente ainda não entende plenamente o mecanismo que levou este simpático animal a ter o pescoço mais comprido dentre todos os mamíferos.

Os fósseis mais antigos das girafas datam do período Oligoceno (de 37 a 21 milhões de anos atrás), sendo o Paleotragus, que viveu há 20.000.000 de anos, o mais antigo já encontrado. Tratava-se de um animal forte e de pescoço curto, muito semelhante ao ocapi existente nos dias de hoje (que também é seu descendente).

Outro fóssil, mais recente e também mais conhecido nos meios científicos, pertence ao Sivatherium, que viveu há aproximadamente 6 milhões de anos. Era do porte de um veado e, assim como o Paleotragus, também possuía um pescoço curto.

Durante o Mioceno (de 23 a 5 milhões de anos atrás), as espécies finalmente se dividem, com uma linhagem dando origem aos ocapis e outra, às girafas. O primeiro mantém o tamanho do pescoço muito semelhante ao dos seus ancestrais, mas a segunda...

Bem, durante o Plioceno (de 5 a 1 milhão de anos atrás), suas pernas e pescoço começaram a alongar-se, até chegarem ao tamanho que possuem hoje, nas diversas sub-espécies de girafas existentes. Uma curiosidade é que a quantidade de vértebras do seu pescoço, que mede de 3 a 4 metros, não mudou; é exatamente a mesma do Paleotragus e, pasmem!, a mesma quantidade de ossos que a do ser humano.

O que ganhou a girafa com o alongamento do seu pescoço? A teoria mais aceita é o de que esta característica, surgida como produto da evolução, dá à girafa a capacidade de alimentar-se de brotos de folhas de árvores existentes na savana, constituída de alta vegetação herbácea. Estas árvores, como o eucalipto e o baobá, podem atingir de oito a dez metros de altura. É, portanto, uma grande vantagem das girafas a possibilidade de alcançar o seu topo, deixando a vegetação rasteira para ser disputada com outros animais menos afortunados (como seu primo, o ocapi), e lhe dando ainda o proveito de alimentar-se mesmo em tempos de seca, quando há grande escassez de recursos.

Resolvido a questão do porquê, chegamos ao verdadeiro impasse: o como.

E a resposta a esta pergunta transcende a discussão sobre as girafas, uma vez que o meio que levou à essa evolução seria o mesmo mecanismo evolucionário que produziu as características de todas as outras espécies, explicando desde as cores da asa da borboleta à capacidade intelectual do ser humano.

Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) foi um famoso naturalista francês, considerado um dos inventores do termo biologia. Importante estudioso em sua época, Lamarck introduziu, em 1809, a teoria do uso e desuso. Segundo esta teoria, os órgãos se desenvolvem segundo suas necessidades, e outros se atrofiam decorrentes do desuso. Em outras palavras, o organismo sofria adaptações para atingir uma relação harmoniosa com o ambiente onde se inseria. O ambiente, portanto, provocava a alteração, já que o órgão passava por sucessivas transformações para atender às necessidades que o meio externo criava. Isto pode ser comprovado observando-se pessoas que passam muito tempo sem poder andar: os músculos e ossos de suas pernas enfraquecem-se pelo desuso. Por outro lado, atletas como jogadores de futebol e maratonistas têm estes órgãos bem desenvolvidos, dado seu uso constante.

Outra teoria criada por Lamarck, em consonância com a anterior, era a da herança dos caracteres adquiridos. Nela, o naturalista defendia que as alterações sofridas pelo organismo ao longo da vida de um determinado ser eram transmitidas a seus descendentes por hereditariedade. Assim, a evolução se dava por meio da transformação sofrida pelas sucessivas gerações das espécies com o objetivo de se adaptar ao ambiente.

Lamarck era um dos mais respeitados cientistas de século 19 e chegou a ser elogiado por Darwin pelo seu esforço em apoiar e divulgar o conceito de evolução, mas, com relação ao ser segundo postulado,... estava errado!

Se Lamarck estivesse certo, um rato que tivesse sua cauda arrancada geraria filhotes sem cauda. Mas não é o que ser verifica (esta experiência foi realmente feita, por um cientista chamado August Weismann). Judeus não nascem já circuncidados, apesar de centenas de suas gerações praticarem o hábito da circuncisão.

O que ele deixou passar, e que Charles Darwin (1809-1882) sabiamente percebeu, era que os caracteres adquiridos durante a existência do indivíduo não eram transmitidos à prole. Enquanto, para Lamarck, o ambiente era a causa direta das modificações que ocorrem nos seres vivos, para Darwin, os seres sofrem mudanças aleatórias, e só aquelas que oferecem vantagens na sobrevivência e reprodução do indivíduo acabam se tornando características da espécie, por uma seleção involuntária causada pelo ambiente.

Darwin não sabia explicar o motivo disto na época, mas suas observações levavam a esta conclusão. Posteriormente, com o conhecimento da genética, pudemos atestar que somente por modificações nos genes é que se recebe uma herança de um antecessor.

Ou seja: para Lamarck, o pescoço da girafa tornou-se comprido após várias gerações do animal “esforçarem-se” para atingir os galhos mais altos das árvores. A cada geração, nascia um indivíduo com um pescoço um pouco mais comprido que os dos seus pais, e o ganho que ele teve durante o longo da vida se somaria ao dos seus antepassados, fazendo com que sua prole nascesse com um pescoço ainda mais longo ainda...

Esta idéia, hoje praticamente abandonada, é chamada de lamarckismo, e, por mais incrível que possa parecer, ainda é espalhada. Não é raro, inclusive, ver aulas sendo ministradas com a apresentação desta teoria como seleção natural. Não é.

Já Darwin partia da variabilidade para explicar o mesmo fato. O pescoço da girafa só é comprido porque, durante o nascimento das muitas gerações deste animal, algumas vezes nascia um indivíduo com uma falha: um pescoço um pouco mais comprido. Só que esta mutação era vantajosa, dando mais possibilidades de sobrevivência ao animal ao permitir que elas conseguissem alimentos em locais mais altos, mesmo durante períodos de seca. Assim, ele se reproduzia mais que aqueles portadores de pescoço curto, que já não tinham a mesma possibilidade de sobreviver tempo suficiente para produzir a mesma quantidade de descendentes. Conseqüentemente, os descendentes do indivíduo de pescoço comprido herdavam a falha e, como também viviam e se reproduziam mais, com o tempo o pescoço comprido tornou-se regra, e aqueles sem esse diferencial acabaram por desaparecer. A ação involuntária do ambiente, portanto, selecionou os animais portadores características adaptadas às novas exigências ambientais (no caso, um pescoço mais comprido).

Assim, o atual tamanho pescoço da girafa é o produto de sucessivas falhas genéticas ocorridas durante centenas de milhares de gerações e mantidas por terem favorecido à espécie!





2. No topo da evolução
Quando Darwin postulou sua teoria da seleção natural, a sociedade da época sentiu-se ultrajada. Era inconcebível para a cultura vitoriana admitir que o ser humano era descendente de uma criatura primitiva. Os motivos para esta ojeriza tinham duas origens. A primeira, religiosa, era óbvia. Se somos feitos à imagem e semelhança do Criador, aceitar o que Darwin dizia era o mesmo que concluir que a Bíblia estava errada! A segunda, não menos assustadora, era causada pelo orgulho antropocêntrico: afinal, se o homem evoluiu como todas as outras espécies, não era melhor que qualquer animal, não é?

Bem, não demorou para que surgissem idéias que conseguiam ao mesmo satisfazer aos descontentes e tornar a incitante teoria mais palatável. E uma destas foi a de que nós, homens, somos a definição última de um “ser evoluído”. Nossa evolução nos trouxe ao estágio de perfeição (ou quase isto) no qual nos encontramos, de onde podemos observar todas as outras espécies, ainda envolvidas na luta evolutiva.

Em outras palavras: o ser humano era a espécie mais evoluída dentre todos as outras!

Isto satisfazia parcialmente a aqueles aflitos com a aparente insignificância em que o evolucionismo atirava a humanidade. Se éramos os animais mais evoluídos, então realmente éramos especiais! Estávamos no topo da árvore evolutiva e o mundo era nosso domínio. Esta idéia arrefecia até a alguns religiosos, já que isto poderia indicar que, se fomos os escolhidos para termos um cérebro mais poderoso e sermos os senhores do mundo, também poderíamos ter sido os únicos a serem agraciados com uma alma.

Seguindo esta linha de raciocínio, os demais seres, vegetais ou animais, vertebrados ou invertebrados, peixes ou répteis, estavam em etapas evolutivas inferiores a do homem. Ou seja, o objetivo de qualquer processo evolutivo necessariamente era o de produzir a inteligência, encontrada neste momento apenas nos seres humanos.

Obras de ficção científica em que alguém viaja no tempo ou no espaço e acaba por encontrar um mundo onde outra espécie (os macacos, os peixes, os insetos ou os lagartos) evoluiu analogamente à espécie humana são freqüentes na literatura e no cinema, e demonstram nossa tendência antropofórmica.

Só que há uma má notícia para aqueles que compartilham a idéia de um homem no topo da evolução: ela também está errada!

Isto porque ser mais “inteligente” não significa necessariamente se mais “evoluído”. A inteligência humana é, na verdade, apenas uma característica que surgiu no nosso processo evolucionário. Assim como a força do urso, a velocidade do guepardo ou a capacidade de algumas bactérias de independer de oxigênio.

Alguns ainda defendem que somos mais evoluídos por sermos mais adaptáveis. Porém, partindo deste princípio, o homem é deixado para trás por criaturas tão minúsculas quanto os vírus, com uma capacidade de mutação e sobrevivência muito superior.

Na verdade, não existe nenhuma espécie mais evoluída que a outra. Cada espécie existente hoje passou por um processo evolutivo próprio (alguns mais longos, outros mais curtos) e chegou ao ponto em que se encontra hoje, adaptado ao ambiente em que vive e perfeitamente capaz de ocupar o seu papel no complexo ecossistema. E ainda em constante adaptação a um ambiente que nunca pára de sofrer mudanças.


Um ser humano não pode nadar mais rápido que um peixe, pois este é melhor adaptado (ou mais evoluído) para o meio aquático. Da mesma forma, não somos capazes de sobreviver no frio extremo sem proteção artificialmente criada – mas os ursos polares, focas e pingüins são, pois são melhor adaptados àquele ambiente. Nem podemos metabolizar luz solar para transformá-la em energia, mas muitas plantas podem, o que prova que, para isto, são mais evoluídas. Mas nenhum outro ser têm a capacidade de abstração existente no raciocínio humano, e, para isto, somos realmente mais adaptados.

Talvez o diferencial da espécie humana resida no fato de que somos, ao que tudo indica, a primeira espécie com o poder de transformar significativamente o ambiente de acordo com suas necessidades, num processo inverso ao da seleção natural. Além do mais, podemos dizimar espécies em massa com relativa facilidade. No entanto, também temos a singular capacidade de pensar não apenas como indivíduos, mas como “espécie”, e assim conjecturar um provável futuro para a humanidade. Há muito já descobrimos que desajustar o meio ambiente, destruindo recursos naturais ou promovendo o assassínio de gêneros inteiros de seres vivos, é prejudicial também à nossa espécie. E, segundo as lições de Darwin, transformações prejudiciais acabam por ser abandonadas. Porém, quando não o são, inexoravelmente levam à extinção da própria espécie...


* * *


Na terceira e última parte deste artigo, continuaremos a analisar outros erros comuns de entendimento da teoria da seleção natural. Será que o homem descende de macacos?

Até lá!


Marcadores: , , , , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home