24 de agosto de 2010

O enigma da girafa - Parte 3 de 3

Na 2ª parte deste artigo, em que analisamos os erros mais comuns de entendimento da teoria evolucionista, proposta por Charles Darwin em seu livro “A Origem das Espécies”, fizemos uma análise de dois equívocos muito comuns: o lamarckismo e a idéia de que o homem é a mais evoluída dentre todas as criaturas.

Nesta última parte, analisaremos o talvez mais difundido equívoco sobre o assunto: a absurda idéia de que o homem evoluiu do macaco! E, para finalizar, vamos verificar se realmente não há nenhuma evidência que demonstre que a teoria da seleção natural está correta.


Avô macaco

Em 1859, a publicação de “A Origem das Espécies” causou uma explosiva reação em toda a sociedade. Não foi, na verdade, nenhuma surpresa para Darwin. De formação religiosa e dono de um temperamento tímido, pouco afeito grandes discussões, o naturalista elaborara a teoria vários anos antes de publicá-la mas, receoso da repercussão que a obra teria, manteve-a restrita a um pequeno círculo de amigos que, afinal, o convenceram a expô-la ao mundo.

E, como esperado, a recepção ao livro foi extremada, fascinando alguns e horrorizando a outros. A controvérsia não tinha par em toda a história da ciência. Era motivo de discussões acaloradas em todos os círculos científicos, objeto de repulsa de diversas religiões e um assunto perturbador para toda a sociedade. É claro, a imprensa não poderia ficar de fora...

Logo, uma idéia assustadora tornou-se o centro das discussões.

Não se sabe exatamente quem foi o primeiro a acusar Darwin de afirmar que o homem é descendente dos macacos, mas durante os anos que se seguiram, milhares de reportagens, artigos, sátiras e caricaturas exploraram este argumento ao limite. As implicações dessa maciça abordagem não poderia ser outra senão a disseminação da idéia no público pouco informado.

Aqueles que discordavam (ou tinham a perder) com a idéia de evolucionismo, como cientistas defensores de outras teorias ou entidades religiosas que pregavam um outro surgimento para o ser humano, encontraram aí uma eficaz arma para desacreditar Darwin. Ora, se o macaco era o ancestral do homem, diversas implicações derivavam daí. Implicações que tornavam toda esta estória de evolução natural uma grande bobagem.

Em 1860, foi travado na Universidade de Oxford o mais famoso embate intelectual sobre o evolucionismo que se teve notícia. Foi lá que Thomas Henry Huxley, um devotado defensor das teorias de Darwin e seu amigo pessoal, tão conhecido pela energia que empregava nesta defesa que acabou conhecido como “o Buldogue de Darwin”, enfrentou o seu maior opositor, o o Bispo Samuel Wilberforce. Em determinado momento da discussão, Wilberforce provocou Huxley, perguntando-lhe se “ele descendia de macacos por parte de pai ou de mãe”. A resposta de Huxley ecoa até hoje como um dos maiores tapas com luva de pelica da história da ciência: “prefiro ser descendente de um macaco do que de um homem educado que usa sua cultura e eloquência a serviço do preconceito e da mentira!”.

Porém, se por um lado a resposta de Huxley foi uma extraordinária e bela defesa, logo se espalhou a estória de que o cientista teria dito que preferia ser um macaco a um bispo, aumentando ainda mais a certeza de que a “Origem das Espécies” afirmava nossa origem simiesca.

Afinal, Darwin achava mesmo que o homem descende de macacos? A resposta, você já deve desconfiar, é não!

Charles Darwin nunca defendeu, nem na “Origem das Espécies” nem em qualquer obra sua, esta descendência. Da mesma forma, nenhum cientista sério acredita nisto.

Ocorre que a teoria evolucionista prega que qualquer ser vivo, da baleia à jabuticaba, descendem de um ancestral comum. Conforme este ancestral evoluía, diversas espécies iam surgindo de acordo com as mutações que sofriam, diferenciando-se paulatinamente umas das outras. Em algum momento na história evolutiva do homem, existiu uma espécie que deu origem a todos os primatas, do sagüi ao homem. Estes depois se dividiram em pelo menos dois ramos: um deu origem ao gênero Macaca, que acabou também por se dividir até se tornarem os chimpanzés, gorilas, orangotangos, babuínos e outros macacos modernos, e outro deu origem ao gênero Homo, de onde se originaram espécies como o homem de Neandertal (que também não foi nosso ancestral, e acabou por se extinguir) e o homem moderno.

Assim, os macacos não são nossos “avôs”. São nossos “primos”.

Ainda que esta reposta não satisfaça aos desejos daqueles que não gostariam de, sob nenhum forma, ter um macaco como parente, mesmo distante!



Onde estão as evidências?
Esta é talvez a reposta mais polêmica dentre todas as deste artigo. E por um motivo simples: para alguns, não importa o quanto se prove um determinado fato, sempre pode-se invalidar as evidências ignorando-as ou usando elaboradas estratégias de retórica. Da mesma forma, qualquer um pode considerar certo fato como provado quando escolhe determinadas evidências e ignora outras, aprofundando-se no assunto só o suficiente para encontrar a confirmação do que deseja, sem se preocupar com o fato de que análises mais profundas podem mostrar um resultado diverso do que se deseja.

Portanto, esta parte do artigo define como evidência apenas aquilo que a ciência consegue explicar de forma lógica com base no conhecimento existente até o momento.

A questão é que os detratores do evolucionismo utilizam-se com muita freqüência do argumento que a evolução não pode ser evidenciada mais do que, por exemplo, a criação das espécies tal como elas hoje nos aparecem. Algumas vezes, utilizando-se de Argumentum ad ignorantiam defendem ainda que a evolução não pode ter ocorrido porquê não pode ser provada.

Darwin utilizou vários exemplos naturais para fortalecer seus argumentos, exemplos tão eficientes (como a variedade do formato dos bicos dos tentilhões, uma espécie de pássaro) que até hoje são respeitados como evidências.

Mas também podemos coletar diversas evidências da evolução da espécie no mundo que nos cerca.

Os fósseis nos dão excelentes informações sobre como ocorreu a evolução. Não encontramos “elos perdidos” vivos, mas seus restos abundam por todo o planeta. Podemos encontrar diversos fósseis que demonstram diversos níveis de evolução do próprio ser humano. Qual é a explicação alternativa para sua existência? Seres extintos que coincidentemente reuniam características híbridas entre espécies cujos restos datam de períodos anteriores e posteriores à sua existência? A questão é que podemos desenhar toda a evolução de certas criaturas apenas com a catalogação dos registros fósseis em extratos sedimentares que se formaram uns sobre os outros durante eras.

Outra evidência muito interessante é a diversidade existente entre os seres vivos ao redor do planeta. Espécies extremamente semelhantes diferenciam-se sobretudo pelo ambiente em que vivem. Ursos polares são brancos, já que neste ambiente animais com esta cor têm mais chances de sobrevivência. Ursos norte-americanos são negros, já que esta cor lhes favoreceram mais. E animais de espécie totalmente diversas compartilham estas características. Claro que o design inteligente tenta dar outra explicação para isto, mas as evidências não param por aí.

Elas estão inclusive no seu corpo.

Note que a base da teoria do design inteligente é o argumento de que a complexidade exigida para a criação das formas de vida que hoje existem têm necessariamente que passar por um “projeto”, e que o simples acaso não poderia resultar num mundo natural tão harmonioso como vemos. Nossos perfeitos corpos podem provar isso, não é? Bem, o problema é que eles não são tão perfeitos assim...

O apêndice não possui qualquer função no corpo humano (apenas o de infeccionar e nos matar). Claro que um designer inteligente não cometeria o erro de criar algo sem função e dado a defeitos potencialmente letais. Mas se lembrarmos de que em alguns animais que se alimentam de plantas o apêndice existe e é necessário, podemos presumir que algum dos nossos ancestrais era herbívoro e nos deixou essa incômoda herança.

Também soluçamos porque anfíbios têm o reflexo de fechar a glote para evitar que água penetre em seus pulmões quando estão respirando pelas brânquias. Uma irritação muscular nos lembra de nosso passado anfíbio e temos este reflexo acionado, sem que isto tenha qualquer utilidade! E nos arrepiamos porque é muito comum seres com pêlos se eriçarem diante do perigo, para parecerem maiores (vide cães e gatos). Nossos ancestrais deviam ter a mesma reação, que ainda persiste no homem moderno. O dente siso (sem função e oriundo de uma época em que tínhamos as mandíbulas maiores), o cóccix (vestígio de um rabo - que inclusive ganhamos e perdemos com poucas semanas no útero materno) e diversas outras partes do corpo humano são resquícios evolucionários que o design inteligente não explica.

Um dos “erros” mais notáveis é a posição da laringe em nossa garganta, que evidencia uma tremenda falha de planejamento hidráulico: só podemos falar porque, para modular nossa voz, nossa laringe fica bem abaixo da posição encontrada em outros primatas. Assim, eles podem respirar e comer ao mesmo tempo. Nós não – engasgamos se tentamos fazer o mesmo. Uma solução simples seria a criação de “tubulações separadas” para as funções de comer e respirar, mas como a evolução se deu por meio de erros e mutações... está até muito bom!

Uma última evidência está em nossa própria genética. O seqüenciamento do DNA mostrou que somos mais próximos de animais que estão no mesmo filo que o nosso. Nosso DNA está mais próximo daquele encontrado no chimpanzé do que em um pato, por exemplo. Sem contar que há “detritos” genéticos (os pseudogenes) presentes no nosso genoma que não têm qualquer função. São ativos em outros animais, mas degenerados no DNA humano.

É claro, um designer inteligente também poderia ser brincalhão a ponto de colocar estas evidências por aí apenas para nos deixar encucados!


***


Com isto, chegamos ao final do nosso artigo com uma última observação. O evolucionismo é uma teoria que explica como os seres vivos que aí estão chegaram a esta incrível diversidade hoje existente. Ela pode não ser definitiva (em ciência, nada nunca é), nem completa (nenhuma teoria é), mas é o melhor que a ciência conseguiu fazer até hoje.

O importante é salientar que Charles Darwin, que no fim de sua vida não podia mais ser considerado um homem religioso, nunca tentou explicar a origem da vida nem do universo. Darwin teorizou o “como”, não o “porquê”.

Estas respostas, o velho naturalista deixou para nossas reflexões...

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