30 de setembro de 2009

O enigma da girafa - Parte 1 de 3


É curioso constatar que, a despeito de ter mais de cem anos de existência e de ser aceita pela maioria da comunidade científica mundial, a teoria proposta por Charles Darwin em "A Evolução das Espécies" é ainda pouco compreendida pelo público em geral.

Mesmo entre defensores do evolucionismo, é comum encontrar quem confunda alguns dos seus preceitos com os de outras idéias. Pior ainda, muitos ainda citam, como provas da teoria, certas bobagens que foram inventadas inicialmente com o objetivo de ridicularizá-la. Ou seja, a ironia dos detratores da evolução acabaram misturando-se a alguns dos seus conceitos reais, fazendo com que muitos acreditem em premissas incorretas e ainda as espalhem. É óbvio que isto é um prato cheio para aqueles que defendem que a teoria é falha...


Teoria ou lei?
Tudo bem, o evolucionismo é apenas uma teoria. Apesar de todas as evidências encontradas até hoje, ela ainda não é plenamente aceita por toda a sociedade (ainda que na comunidade científica sua aceitação seja esmagadora). Se ela fosse incontestável, não seria uma teoria; seria uma lei.

Lei, para a ciência, é uma verdade provada e aprovada. Veja, por exemplo, a Lei da Gravitação Universal: poucos a colocaram em dúvida desde que foi elaborada.

Há, contudo, um "porém" (sempre há!). Muitas leis acabam sendo modificadas com o tempo. E - mais raro - podem até ser abandonadas, quando provado que estão totalmente erradas. A própria Gravitação Universal foi desafiada por Einstein, com sua teoria geral da relatividade, que resolvia alguns problemas da lei criada por Newton, ao demonstrar que alguns de seus aspectos não são assim tão universais.

No entanto, embora muito aceitas, a relatividade geral e sua irmã, a relatividade especial, ainda são consideradas apenas teorias...


O que nos dá a entender que a distância entre uma lei e uma teoria não é tão enorme assim. Podemos postular, portanto, que uma teoria vira lei quando o lobby para desacreditá-la é menor que aquele para sua aceitação! Em outras palavras, o critério para formar uma verdade incontestável depende mais de fatores culturais e sociais do que de provas científicas propriamente ditas.

Assim, é razoável crer que, caso não houvesse a maciça pressão exercida por grupos e organizações religiosas, fervorosas adeptas do criacionismo, o evolucionismo, tão amplamente aceito nos meios científicos, não seria alvo de tanta polêmica e poderia ser ensinada nas escolas sem problemas, como, aliás, acontece com outras teorias...


Evolucionismo para dummies
O que é, afinal, a teoria da evolução?

A idéia de evolução biológica baseia-se no princípio de que as características genéticas de um indivíduo são herdadas. Em outras palavras, os fatores que determinam se uma criatura é um alface ou um rinoceronte são oriundos destes mesmos fatores em seus pais. Dependendo da quantidade de pais (que, sim, podem variar de uma espécie para outra), o indivíduo ou é uma cópia idêntica da sua mãe (em espécies cuja reprodução é assexuada) ou uma mistura das características de seu pai e de sua mãe.

Bom, pelo menos isto é o que deveria ser.

Acontece que neste processo de cópia, acontecem falhas. Da mesma forma que uma fotocópia pode não ser idêntica à original, as cópias dos genes do pai presentes no filhos podem conter imperfeições. Estas falhas podem, ainda, ser propagadas para os descendentes destes filhos. E é claro que as cópias das cópias são ainda mais suscetíveis a possuírem diferenças com relação ao original.

É aí que entra a idéia da seleção natural. Segundo Darwin, estas imperfeições, ou mutações, podem gerar três tipos de resultado: o primeiro é a nulidade da mutação, com a imperfeição pouco ou nada significando para o indivíduo; outra possibilidade é a de que a mutação seja desfavorável de alguma forma para o indivíduo; e a terceira é a de que a mutação lhe seja favorável em algum nível. E é essa terceira possibilidade que impulsiona a evolução!

No primeiro e no segundo caso, não há diferença em termos evolucionários. Se a mutação é desprezível, ela não dá nem tira vantagens do indivíduo, que tem a mesma chance de reprodução e sobrevivência que qualquer outro que não a possua. Assim, a imperfeição acaba se diluindo em gerações posteriores, já que a maioria dos indivíduos que se reproduziram não a possuem.

Se ela é desfavorável, há grandes possibilidades de que o indivíduo, com desvantagens em relação à média se reproduza menos, ou que morra antes de que possa reproduzir-se. Da mesma forma, a mutação não se propaga muito. (Obviamente, na pouco provável possibilidade de uma grande propagação, a espécie como um todo poderia correr perigo).

Agora, se a mutação é favorável, algo interessante acontece: o indivíduo, por ter alguma vantagem causada pela mutação, tem maiores sucessos de sobrevivência e reprodução. Mudanças ambientais, como um aumento de temperatura, uma epidemia ou a chegada de um novo predador, podem ser melhor suportadas por ele. E assim ele sobrevive, enquanto os outros sucumbem. Da mesma forma, como vive mais, tem maiores chances de reproduzir, podendo até atrair mais indivíduos do sexo oposto. Assim, ele gerará mais descendentes que a maioria, não possuidora do diferencial ganho por acaso. E não pára por aí: seus descendentes, que já são em maior número do que de um outro indivíduo sem a mutação, podem herdá-la, e então também terão vantagem competitiva, sobrevivendo e reproduzindo-se mais que os outros.

Em algumas gerações, os indivíduos com a mutação serão a maioria da população, e, então, os indivíduos sem o diferencial se reduzirão até desaparecerem. A mutação, neste caso, se tornou regra, e passou a se incorporar definitivamente nas características da espécie.

A espécie evoluiu!


Junte centenas de milhares de gerações com quantidades impensáveis de mutações aleatórias, e vamos ter um indivíduo no final bem diferente daquele original. Muitas mutações, neutras ou imperfeitas, foram abandonadas. Mas as melhores, aquelas causadoras de vantagens, permaneceram. Essa vantagem pode ser um chifre mais pontudo, uma visão mais eficiente, uma membrana que permita planar ou, quem sabe, um cérebro maior...

E, no caso da girafa, um pescoço mais comprido...

Sobre esse assunto, a gente conversa na segunda parte deste artigo!

Até lá!

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